Questões comportamentais, que incluem a falta de manutenção dos veículos, estão entre as principais causas de mortes apontadas no relatório “Balanço da 1ª Década de Ação pela Segurança no Trânsito no Brasil e perspectivas para a 2ª Década', divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
No entanto, o Brasil não cumpriu as metas definidas na 1.ª Década de Ação pela Segurança no Trânsito durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 2010.
O relatório traz dados retraídos para um país que tinha se proposto a avançar nas ações para reduzir a violência no trânsito. Entre os resultados apresentados dos primeiros dez anos, as questões comportamentais aparecem entre os quatro principais fatores de sinistros de trânsito no período analisado, de 2010 a 2019:
A quinta causa de mortes, segundo o levantamento, diz respeito às condições dos veículos (4,5%). Para o diretor executivo da Federação Nacional da Inspeção Veicular (FENIVE), Daniel Bassoli, esse também é um ponto que deve ser encarado como um fator comportamental, uma vez que a responsabilidade de manutenção veicular é do proprietário.
“Os defeitos mecânicos dos veículos só são constatados após as tragédias, quando é necessário fazer uma perícia, diferentemente das outras causas, que são passíveis de serem constatadas em uma fiscalização', ressalta.
Ele acrescenta que, se no Brasil houvesse um processo de investigação de sinistros de trânsito mais eficaz, identificando realmente as falhas mecânicas causadoras de acidentes, esse índice seria muito mais elevado, sobretudo considerando a idade média da frota de veículos no Brasil, de 10,9 anos, segundo informações do Sindipeças. De acordo com ele, uma forma de resolver esse problema seria a partir da inspeção veicular periódica, ponto previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), no seu artigo 104. “A legislação está vigente há 25 anos, porém, esse é um item que até agora não foi implementado no país', lamenta.
Os técnicos de Planejamento e Pesquisa do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho e Erivelton Pires Guedes, responsáveis pelo relatório, concordam que a cultura da manutenção precária da frota se insere no comportamento inadequado que colaboram com os acidentes. “A inspeção veicular, integrada a políticas públicas de renovação da frota, poderia ajudar tanto na segurança do trânsito quanto na economia circular do automóvel. Isto pode gerar outros benefícios socioeconômicos e ambientais, além de ser positiva na arrecadação fiscal, pois veículos mais novos geram maiores receitas', considera Guedes.
Ele enfatiza que promover a mudança de comportamento é o ponto mais desafiador para mudar a realidade do trânsito brasileiro, uma vez que depende de mudanças culturais profundas na sociedade.
“É um trabalho de longo prazo e resultados tímidos. É preciso investir na educação básica e em campanhas focadas na redução de sinistros', enfatiza e acrescenta que, no entanto, é preciso realizar estudos que apontem as maiores causas destes comportamentos inadequados e a forma de atacá-los. “Atualmente, as políticas efetivas de prevenção a sinistros são encaradas por parte da sociedade como ‘restrição de liberdade’ e outros conceitos nocivos à segurança do trânsito', avalia.
O especialista afirma ainda, que ao fazer o comparativo com a década anterior, ocorreram avanços, mas ainda contidos. O técnico salienta que as resoluções do Conselho Nacional de Trânsito – Contran, vêm exigindo novas tecnologias dos veículos, como airbag, ABS, entre outros acessórios, o que traz ganhos na segurança. Porém, sem a manutenção adequada, tais tecnologias podem não funcionar corretamente quando forem necessárias para evitar um sinistro.
Além disso, ele reforça que o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito – PNATRANS também é uma promessa e possui um conjunto de ações visando a redução da mortalidade no trânsito. “Se adequadamente executado, pode promover avanços no setor. Entretanto, cinco anos se passaram e as ações concretas ainda são muito tímidas. Diversos atores, públicos e privados têm percebido a necessidade de reagir ao problema. Porém, falta uma coordenação nacional', sinaliza.
Em 2010, o Brasil ocupava o 5.º lugar no ranking de países com mais mortes de trânsito no mundo. O número total de mortes aumentou 13,5% em comparação com o período anterior – 2000 a 2009. Dessa forma, frustrando a meta estabelecida, de redução de 50% no total das mortes. Ainda assim, com a variação da população, a taxa de mortalidade, ou seja, o número de mortes/100 mil habitantes, apresentou uma pequena elevação (2,3%).
Uma das principais mudanças verificadas a partir de 2010 está no perfil das vítimas de trânsito. Houve um grande aumento das mortes de usuários de motocicleta, redução de atropelamentos e pouca variação nas mortes de usuários de automóveis.
Pessoas que usam a moto como meio de transporte representam 30% das vítimas fatais no período de 2010 a 2019, contra 17% na década anterior (2000 a 2009). Por outro lado, houve redução no número das mortes por atropelamento, que caíram de 28% para 19%. “O crescimento dos sinistros com motocicletas têm crescido muito nos últimos anos. Se nada acontecer, a tendência é piorar. Além das mortes, esses sinistros deixam também um grande número de pessoas incapacitadas, de forma temporária ou permanente', analisa o especialista do IPEA.
Bassoli finaliza alertando que existe regulamentação federal para o aumento da segurança das motocicletas, com requisitos para o motociclista e para o veículo. No entanto, ela ainda não foi adotada pelos estados e municípios, o que agrava a situação